PROFESSORA DA UnB DIZ QUE A FOME É UM “PROBLEMA COLETIVO”, E QUE RETROCEDEMOS 15 ANOS EM 5

Parcela de lares em segurança alimentar chegou a 63,3% em 2018, inferior ao de 2004, que fora de 65,1%. São mais de 3 milhões de lares com falta de comida
Cássia Almeida
Doutora em Saúde Pública do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional da Universidade de Brasília (UnB), Elisabetta Recine, diz que o país levou cinco anos para perder todo o ganho social dos últimos 15 anos na garantia de alimentação para a população.
Pesquisa do IBGE divulgada nesta quinta-feira mostrou que a parcela de familias que vivem em segurança alimentar está menor que em 2004, interrompendo melhoria que vinha desde então. A parcela dos lares sem qualquer dificuldade para comprar comida caiu para 63,3%.
Em 2004, representavam 65,1%. Ela teme que a piora aguda da situação econômica das famílias com a pandemia se torne crônica.
Quais os efeitos da pandemia sobre essa população que já convive com a fome?
A situação se agudizou, não há dúvida. O quanto essa piora aguda vai se tornar crônica é a principal questão. Evitar que se torne crônica depende de medidas de transferência de renda, mas não só.
O que mais é necessário?
Houve um desmonte de políticas públicas que fizeram o Brasil aumentar a segurança alimentar. O programa de garantia de aquisição de alimentos da agricultura familiar é um deles. O orçamento foi praticamente destruído. Caiu de R$ 1,3 bilhão em 2014 para R$ 287 milhões em 2019. A pesquisa mostrou que regredimos 15 anos em cinco anos.
O que provocou essa piora?
Diminuiu a rede de proteção social, contribuindo para que famílias não tivessem condições mínimas de alimentação. Aliado a isso, tem uma crise econômica, com aumento do desemprego e da informalidade, o que também faz que a situação regrida rapidamente. Nossa desigualdade tem raízes muito profundas, só conseguiremos sustentabilidade no avanço da segurança alimentar, se houver sustentabilidade nas ações que fizeram o país avançar.
Vamos voltar ao Mapa da Fome da ONU?
Estamos batendo na porta do Mapa da Fome, que saímos em 2014 (para entrar nesse mapa, o país precisa ter 5% ou mais das famílias em insegurança alimentar grave. O Brasil chegou a 4,6% dos lares nessas condições).
Quais as consequências para as crianças?
A fome não vem sozinha, é o pico de um iceberg de inúmeras carências. Uma criança que passa pela experiência da fome sente isso no seu corpo e há consequências no seu desenvolvimento cognitivo, emocional. Elas veem o mundo que maneira particular, veem um mundo hostil. Representa o comprometimento do nosso futuro. A fome não é um problema individual, é um problema coletivo, é um problema nosso.

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