A COVID-19 NOS QUILOMBOS. E A COBRANÇA POR AÇÕES DO GOVERNO

Taxa de letalidade da doença do novo coronavírus em comunidades quilombolas é mais alta que a média nacional. Ação no Supremo Tribunal Federal pede que governo tome medidas para combater o problema
Grupos quilombolas entraram com uma ação no Supremo Tribunal Federal para obrigar o governo federal a fornecer ajuda a suas comunidades. Protocolada pela Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) e partidos de oposição (PT, PSB, PSOL, Rede e PCdoB), a ação demanda que o governo estabeleça um plano emergencial de combate ao novo coronavírus nos quilombos.
De acordo com dados da entidade, o índice de mortalidade entre os quilombolas é de 3,6%, enquanto a da população em geral é de 3%, de acordo com dados do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde). No fim de junho, na Região Amazônica, essa taxa chegou a 17%, de acordo com uma pesquisa da Ufam (Universidade Federal do Amazonas).
Entre os indígenas – que já conseguiram compromissos de apoio a partir de determinação do Supremo – a taxa de mortalidade no final de julho era de 9,6%, de acordo com dados da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).
Ajuda com participação
A Conaq quer que o governo federal prepare um plano emergencial de combate à covid-19 nos quilombos. Solicita também o envio de equipamentos de proteção individual para as comunidades, além de medidas que garantam sua segurança alimentar e que lidem com o racismo vivido por quilombolas quando procuram assistência médica.
A organização pleiteia que o plano emergencial deve ser realizada por um grupo de trabalho que integre agentes de estado e representantes quilombolas. Tanto na elaboração do plano como em sua realização, deve haver a participação direta de membros das comunidades quilombolas.
Veto de Bolsonaro
Em 8 de julho, Jair Bolsonaro vetou uma série de medidas destinadas à saúde de povos indígenas, quilombolas e demais comunidades tradicionais durante a pandemia do novo coronavírus.
O presidente derrubou trechos que obrigavam o governo a fornecer água potável e materiais de higiene e limpeza, além de vetar a liberação de verba emergencial para a saúde indígena e a obrigação de o governo oferecer mais leitos hospitalares e de UTI e ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea.
No mesmo dia, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, determinou que o governo deveria adotar medidas para proteger comunidades indígenas da covid-19 (mas não quilombolas). Barroso concedeu uma liminar a uma ação apresentada pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e por seis partidos: PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT e PDT.
Assim como a iniciativa da Apib, a ação da Conaq junto ao Supremo foi uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental). Esse instrumento tem como objetivo evitar ou reparar dano a preceitos fundamentais da Constituição por parte do Estado. Segundo o texto da ação da Conaq, isso vem acontecendo por meio de “atos comissivos e omissivos do Poder Executivo Federal no combate à pandemia de covid-19 nas comunidades quilombolas”.
A ação registra que, de acordo com a Constituição Federal de 1988, o Estado brasileiro tem obrigação de agir para “assegurar a reprodução física, social, étnica e cultural das comunidades quilombolas”.
A situação dos quilombolas
Durante a vigência da escravidão no Brasil, nas eras colonial e imperial, centenas de quilombos foram estabelecidos por pessoas escravizadas que conseguiam fugir do cativeiro. As comunidades quilombolas são formadas por seus descendentes. Muitos desses locais preservam costumes e aspectos culturais de seus antepassados.
O número exato de comunidades quilombolas no Brasil é desconhecido. A Fundação Cultural Palmares reconhece 3.524 quilombos no país, dos quais apenas 154 foram titulados pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Já a Conaq estima o número de quilombos no país em 6.300, com uma população de cerca de 16 milhões de pessoas.
Pela primeira vez, o censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e EStatística), a ser realizado em 2021, irá contar o número de quilombolas no país. Em 2019, o órgão estimava em 5.972 o número de localidades dessa comunidade, segundo a Base de Informações Geográficas e Estatísticas sobre os Indígenas e Quilombolas.
A identificação e reconhecimento dos direitos de comunidades de quilombolas é uma das principais atribuições da Fundação Palmares. Com a Certidão de Autorreconhecimento conferida pela fundação, uma comunidade quilombola pode regularizar sua terra junto ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
O número de certificações caiu drasticamente sob o governo Bolsonaro. Em 2019, foram 70 certificações e, em 2020, apenas cinco. No ano de 2018, foram Só em 2018, foram 144 certificações. Segundo a Conaq, pelo menos 1.700 quilombos aguardam a titulação pelo Incra.
A entidade afirmou em nota que, além de segurança jurídica contra ações de reintegração de posse ou despejos, a titulação contribui para resguardar as comunidades diante de uma crise sanitária como a covid-19.
Segundo o texto da ação apresentada no Supremo, a titulação “é condição indispensável para assegurar condições de isolamento necessárias para prevenir a contaminação pelo novo coronavírus. É também fundamental para preservar os modos de vida que asseguram o sustento e a segurança alimentar e nutricional dessas comunidades, num contexto de recessão econômica”.
O presidente da Fundação Palmares, Sergio Camargo, tem um longo e conhecido histórico de ofensas e agressões a organizações e aspectos da cultura e história afro-brasileira. Até setembro de 2020, Camargo nunca havia se reunido com representantes dos quilombolas. O presidente da fundação chegou a se referir ao movimento negro como “escória maldita”.
Camargo foi nomeado por Bolsonaro, que, em 2017, ainda como deputado federal, foi alvo de uma ação de danos morais do Ministério Público Federal por ter dito que em um quilombo que visitou “o afrodescendente mais leve de lá pesava sete arrobas” (unidade de medida de bovinos ou suínos). Bolsonaro acabou inocentado pela Justiça.

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