A DISPUTA EM TORNO DO AUXÍLIO EMERGENCIAL APÓS SUA PRORROGAÇÃO

Isabela Cruz

Parlamentares da oposição e organizações da sociedade civil pedem aumento do valor do benefício. Governo demonstra preferir não tocar no assunto

A pandemia do novo coronavírus foi decretada em 11 de março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde. O isolamento social, apesar de atacado pelo presidente Jair Bolsonaro, era uma medida inevitável para reduzir contaminações e mortes. E foi adotado por governadores e prefeitos. Para atender à população de baixa renda, atingida mais fortemente pela restrição da circulação, Bolsonaro propôs um auxílio emergencial de R$ 200. No Congresso, o valor foi para R$ 600.

O pagamento ocorreu de abril a agosto. E mesmo que o montante pago tenha sido definido pela pressão dos parlamentares, Bolsonaro foi beneficiado pelos resultados. Sua popularidade aumentou e os planos de transformar o auxílio emergencial num programa social permanente e mais amplo passaram a fazer parte da agenda do Planalto. As restrições orçamentárias, porém, impuseram limites. O governo então estendeu, via medida provisória, o pagamento do auxílio, mas reduziu seu valor para R$ 300 de setembro a dezembro.

Essa redução vem mobilizando parlamentares da oposição, centrais sindicais e outras organizações. Eles pressionam o Congresso para que a medida provisória seja alterada e mantenha o valor de R$ 600. O deputado federal André Janones (Avante-MG) virou um fenômeno nas redes sociais ao defender a bandeira, ganhando centenas de milhares de novos seguidores. Campanhas da sociedade civil como a “#600AtéDezembro” surgiram para aumentar a pressão.

60%

das famílias brasileiras foram beneficiadas direta ou indiretamente pelo auxílio emergencial, segundo o governo federal, em 21 de agosto de 2020

262

é o número de emendas que foram apresentadas na Câmara à medida provisória que prorroga o auxílio com um valor menor, a maioria delas propondo o aumento do benefício

A medida provisória em questão foi editada pelo governo federal no início de setembro, depois que líderes da base aliada do governo na Câmara se comprometeram com o ajuste fiscal defendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Segundo Bolsonaro, a diminuição do valor em relação ao que vinha sendo pago “atendeu à [pasta da] Economia, [que está] em cima da responsabilidade fiscal”.

R$ 67,6 bilhões

foi o crédito extraordinário aberto pelo governo federal para o pagamento do auxílio emergencial residual, até o fim de 2020

A inserção do tema na pauta da Câmara depende da iniciativa do presidente da Casa. Ocupando o cargo interinamente no lugar de Rodrigo Maia (DEM-RJ), o deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP) prometeu que irá colocar a medida provisória na agenda parlamentar.

“Eu já recebi mais de 10 mil mensagens, nas minhas redes sociais, em que pedem para pautar a MP 1.000 [que prorrogou o auxílio emergencial com um valor de R$ 300]. Mas há tempo ainda. Nós vamos pautá-la”

A articulação do governo

Medidas provisórias passam a valer assim que são assinadas e publicadas no Diário Oficial pelo presidente. Depois, têm 120 dias para serem aceitas, alteradas ou rejeitadas pelo Congresso. No caso da MP da prorrogação do auxílio, se o Congresso simplesmente abrir mão de votá-la, o texto já em vigor garantirá o pagamento dos auxílios até o final do ano, como planejado.

A estratégia governista, portanto, é deixar o tema de lado, sem colocá-lo em votação na Câmara e no Senado. Assim, a medida provisória pode caducar sem que o valor das parcelas seja questionado nos debates com a oposição.

Mas, com a pressão pela votação, os rumos do auxílio emergencial parecem ter virado um assunto incômodo dentro do governo. Nesta quarta-feira (23), Paulo Guedes, ministro da Economia, foi retirado de uma coletiva de imprensa por Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo, e por Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, quando comentava sobre o fim do auxílio. Na conversa com os jornalistas, Guedes também havia falado da necessidade de se criar “tributos alternativos” diante das limitações orçamentárias.

O dilema do presidente diante do auxílio

Bolsonaro dizia em maio que o auxílio emergencial estava “muito acima do previsto”. Mas depois Bolsonaro mudou de tom, diante de seu aumento de popularidade. Em discurso à Assembleia-Geral das Nações Unidas, na terça-feira (22), o presidente celebrou o auxílio. Atribuiu ao benefício, assim como a outras medidas econômicas do governo, o mérito de “evitar um mal maior” durante a pandemia do novo coronavírus.

O sucesso do auxílio emergencial – que fez aumentar inclusive a renda das pessoas que já recebiam o Bolsa Família entre abril e agosto – levou o governo a cogitar criar um programa social mais amplo e permanente. Batizado de Renda Brasil, o novo programa substituiria o Bolsa Família do governo Luiz Inácio Lula da Silva e aumentaria o valor médio dos benefícios dos atuais R$ 190 para R$ 300.

Mas em 15 de setembro Bolsonaro anunciou que desistiu de lançar o Renda Brasil porque, segundo a equipe econômica, os novos pagamentos exigiriam cortes de outros benefícios e congelamento de aposentadorias e pensões no Orçamento de 2021.

“A proposta, como a equipe econômica apareceu para mim, não será enviada ao Parlamento. Não posso tirar de pobres para dar a paupérrimos”

A compensação do Renda Brasil com o corte de outros benefícios assistenciais seria necessária, segundo a equipe econômica, para o respeito ao teto de gastos estabelecido em 2018.

O teto impede o aumento real das despesas do governo federal por vinte anos, numa tentativa de frear o deficit nas contas nacionais e o consequente aumento da dívida pública em relação ao PIB (Produto Interno Bruto).

Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) estima que a Dívida Bruta do Governo Geral – que inclui o governo federal e os governos estaduais e municipais – deve subir para 93,7% do PIB até o final de 2020. Isso representa um salto de quase 18 pontos percentuais em relação ao final de 2019, quando a relação dívida/PIB estava em 75,8%.

As entidades que integram a campanha “Renda Básica Que Queremos”, no entanto, discordam da lógica de Bolsonaro para ter diminuído o benefício, porque veem outras fontes de receita para o governo. “É uma enorme falácia posicionar essa questão como tirar do pobre para o paupérrimo, escondendo que os ricos também fazem parte dessa equação”, afirmou Paola Carvalho, da Rede Brasileira de Renda Básica.

Para a cientista política Marta Arretche, a estratégia de Bolsonaro é postergar a implementação do Renda Brasil até o último ano do mandato, em 2022. Assim o presidente conseguiria economizar em 2021, mas sem deixar de oferecer o benefício a pouco tempo antes das eleições presidenciais, quando tentará a reeleição.

Estudos de ciência política demonstram que a conversão do aumento de renda para o eleitorado em aumento de votos acontece no curto prazo, pouco importando o que houve durante o mandato.

https://www.nexojornal.com.br/…/A-disputa-em-torno-do-aux%C…

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