DIAGNÓSTICO SOBRE DESIGUALDADE É IMPOSSÍVEL SEM PENSAR EM RAÇA E GÊNERO, DIZ ESPECIALISTA

Professor na FGV-SP e Mackenzie, Silvio Almeida busca tirar debate sobre racismo do âmbito comportamental e entendê-lo como componente das estruturas sociais
Por Anaïs Fernandes
Sem pensar em como raça e gênero estruturam a vida da sociedade, é impossível fazer um diagnóstico político e econômico sobre a desigualdade, afirma Silvio Almeida, professor na FGV-SP e na Mackenzie. Combinadas a questões de classe, raça e gênero formariam a estrutura da sociedade no que tange à própria composição das desigualdades sociais.
“Não se concebe fazer uma análise sobre como a sociedade produz a desigualdade sem levar em consideração raça e gênero. Não são elementos que simplesmente se agregam nas análises”, disse Almeida na Live do Valor desta sexta-feira. “O que estou falando é mais radical: sem as variantes, as condicionantes, sem pensar em como raça e gênero estruturam a vida social, é impossível fazer um diagnóstico sobre a desigualdade, seja do ponto de vista político, seja do ponto de vista econômico”, afirmou.
Almeida reforçou que “o racismo é aprofundado pelas desigualdades estruturais do sistema econômico”. Para ele, as reformas tributárias em debate no Brasil no momento, por exemplo, não mexem na regressividade do sistema tributário. “A manutenção de um sistema tributário pretensamente neutro aprofunda as desigualdades e também o racismo”, disse.
O esforço de Almeida, autor do livro “Racismo Estrutural”, é tirar o debate sobre o racismo de um âmbito apenas comportamental e entendê-lo como componente do funcionamento das estruturas sociais, notadamente da política, da economia, do direito e do processo de formação da subjetividade dos indivíduos, seja na cultura ou na educação.
Ele dá como exemplo a própria pandemia – há estudos e pesquisas indicando que a covid-19 mata mais pardos e negros. “Não há comprovação de que o vírus tenha alguma preferência racial. O que acontece é que as doenças se tornam muito mais mortais para pessoas que vivem em precariedade social, expostas a situações que diminuem as chances de se protegerem, afirmou.
Nesse sentido, Almeida disse que foi importante e acertada a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que, em agosto, determinou a distribuição proporcional de recursos do fundo eleitoral e do tempo de propaganda entre candidatos negros e brancos de cada partido. “Essa decisão do TSE vem colocar as coisas nos trilhos, mas é apenas o ponto de partida, não o de chegada. Certamente, haverá tentativas de criação de subterfúgios para burlar isso”, disse.
Ontem, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), antecipou as novas regras, que valeriam só a partir de 2022, e determinou sua aplicação já para as eleições municipais deste ano. “Essa ideia da anterioridade, entendo que só seria aplicada caso se tratasse de algo que falasse especificamente do processo eleitoral, mas estamos falando de democracia e direitos fundamentais. É dar aos candidatos negros a oportunidade de concorrer em igualdade”, afirmou Almeida.
A entrevista, conduzida pelo editor de Cultura do Valor, Robinson Borges, pode ser assistida na íntegra pelo site e pelos canais do Valor no YouTube, no LinkedIn e no Facebook.