VOLTA ÀS AULAS PRESENCIAIS FRACASSA EM BOA PARTE DA ESPANHA E ESPECIALISTAS TEMEM EVASÃO ESCOLAR

Experiência de país europeu traz dimensão dos desafios de planejamento para reabertura de escolas, em especial para nações em desenvolvimento como o Brasil
Ignacio Zafra
A retomada das aulas presenciais na Espanha, que acompanha de forma apreensiva a ressurgência de casos da Covid-19 após o achatamento da curva epidêmica, tem representado duros desafios para estudantes e autoridades. Apenas cinco das 17 comunidades autônomas espanholas (equivalentes aos estados brasileiros) conseguiram retomar a rotina presencialmente, e especialistas temem que o sistema híbrido e os novos recuos em razão dos novos riscos de contágio aumentem a evasão escolar no país.
Os empecilhos da Espanha, um país europeu desenvolvido e com estrutura escolar superior à brasileira, ajudam a lançar luz sobre os desafios a serem encarados pelo Brasil. Até o momento, o Ministério da Educação (MEC) brasileiro não apresentou diretrizes nacionais de peso para garantir um retorno seguro às aulas presenciais, e especialistas têm alertado para os riscos de agravar a já assombrosa desigualdade socioeconômica no país.
Praticamente todas as comunidades espanholas anunciaram em junho que todas as modalidades de ensino voltariam às atividades normais. Os governos regionais esperavam por um quadro epidêmico controlado, o que não se confirmou no fim do verão. Na última sexta-feira, por exemplo, o país europeu registrou 11 mil novos casos de Covid-19.
O planejamento inicial envolvia a busca por espaços alternativos para as atividades, como bibliotecas e outras instalações municipais, o que não saiu do papel. Professores foram contratados, mas o número de admissões foi muito abaixo do necessário para atender a demanda. As cinco comunidades que garantiram rotina diária representam apenas 13,3% do alunado espanhol e concentram os governos mais ricos, como Navarra e o País Basco, ou com menor número de discentes do país, como é o caso de Cantabria.
A evasão escolar temida por especialistas seria provocada pelo aumento da desigualdade com o fechamento de escolas. A Espanha é o país europeu que mais sofre com o fenômeno, mesmo antes da pandemia da Covid-19.
— Existe uma incerteza sobre o efeito que a pandemia continuará representando (para a educação) — afirma Enrique Roca, presidente do Conselho Escolar da Espanha, órgão ligado ao governo. — Em poucos dias vimos dezenas escolas detectando contágios pelo coronavírus e interrompendo aulas em decorrência disso. Com a necessidade de quarentenar-se, é preciso adotar aulas remotas, que afetam tanto os alunos pequenos quanto os mais desfavorecidos economicamente.
Educação infantil e primária
Diante das dificuldades relatadas pelas comunidades, o Ministério da Educação manteve a orientação para que as atividades presenciais sejam garantidas, mas orientou que, quando isso não for possível, sejam priorizada a educação infantil e primária tanto pela dificuldade de adaptação ao estudo remoto quanto de conciliação de seus cuidados com os pais que precisam trabalhar fora de casa.
O sociólogo da Fundação Bofill Miguel Àngel Alegre afirma que o sistema híbrido pode trazer riscos para adolescentes:
— Há o risco, sobretudo no ensino secundário, de uma tentação maior ao ócio sem o estímulo e a tensão de cumprir com as atividades de ensino, uma vez que não estão sob a tutela da escola.O problema será maior naqueles que já não demonstravam disposição para estudar (antes da pandemia).
Aina Tarabini, professora da Universidade Autônoma de Barcelona, reforça que não dá dados suficientes para acompanhar uma eventual evasão escolar.
— Conhecendo como se dá o processo de abandono escolar, o esperado é que aumente exponencialmente com as escolas fechadas durante todos esses meses — afirma a acadêmica, garantindo que a alternância entre aulas presenciais e remotas agravará o problema.
— Sempre que há uma transferência de tarefas escolares para o âmbito familiar a desigualdade social aumenta. Alguns têm um acompanhamento e recursos tecnológicos que faltam a outros. O coletivo também estará mais vulnerável. A variação de espaços, ou seja, um dia vou à escola e no outro não, requerirá um esforço muito forte por pasrte dos estados e pode trazer um risco muito grande de desconexão por parte dos alunos.
Roca, por sua vez, garante que várias medidas foram tomadas pelo governo para assegurar a segurança das escolas, mas reconhece que faltou garantir aos professores os meios de recuperar o conteúdo indispensável perdido nos meses de quarentena.
— Não foi construído um bom plano pedagógico nem para os alunos em regime presencial nem para aqueles que estudam remotamente. Se não fizermos nada diferente dos anos anteriores, teremos resultados muito aquém do esperado e será difícil não perder alunos — disse o presidente do Conselho Escolar do Estado.
Ele defende, ainda, que seja feita uma costura entre o Ministério da Educação com as comunidades, uma articulação que também tem faltado no Brasil no âmbito do MEC e os estados. O ideal, na avaliação de Roca, seria garantir ao menos ações a níveis regionais e mudar o currículo escolar. Esse último, no entanto, dependeria de alterações na lei espanhola.
— Com o sistema híbrido, teremos que trabalhar muito a autonomia dos alunos, principalmente com aqueles que estudam na segunda metade do ensino fundamental e médio. Para os docentes, será necessário um esforço metodológico muito complicado — avalia Eva Bajén, presidenta dos diretores escolares de Aragão. — Um grupo virá às segundas, quartas e sextas-feiras em uma semana. Na seguinte, às terças e quintas. O outro grupo faria o contrário. Ao final, será como trabalhar com dois grupos ao invés de um. É um grande desafio.

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